A memória, ao reconstruir o passado coletivo seleciona fragmentos, preenche lacunas, cria novas interpretações aos símbolos antigos e incorpora mitos de acordo com a ideologia da época que está sendo reconstruída. O Rio Grande do Sul é formado por um mosaico cultural, onde cada grupo se define em relação ao outro, não faltando manifestações preconceituosas mútuas. Não havendo homogeneidade cultural, buscam-se símbolos construídos de acordo com arquéticos universais do herói oriundo de uma minoria excluída ou marginalizada, capaz de enfrentar as relações conflituais da sociedade industrial, como o mito do bandeirante, do gaúcho, do colono pioneiro, de Tiradentes ou de Sepé Tiaraju.
Há duas qualidades de tempo na criação da imagem de Sepé Tiaraju, um tempo profano formado pelas crônicas dos missionários jesuítas, pelos diários dos militares e pela elaboração dos historiadores; outro tempo mítico primordial que representa uma reatualização do imaginário através de obras literárias, com incorporação de novos dados ou características que modificam o personagem histórico. Essa ruptura com o tempo histórico cria, a cada versão mítica, uma aura de herói e de santidade popular que passam a ser consideradas como verdadeiras, pois o mito não expressa uma mentira e nem uma verdade, é apenas a recriação de arquétipos do inconsciente coletivo.